Estudo revela papel da microbiota do solo na seca

Pesquisadores comprovam que microrganismos adaptados à escassez de chuva melhoram o desempenho de gramíneas nativas

30.10.2025 | 06:54 (UTC -3)
Revista Cultivar
Seção transversal da raiz de uma planta de milho, retirada do estudo - Foto: Universidade do Kansas
Seção transversal da raiz de uma planta de milho, retirada do estudo - Foto: Universidade do Kansas

Estudo identificou que microrganismos do solo retêm uma espécie de memória ecológica das condições climáticas às quais foram expostos. Essa memória, chamada de "efeito de legado da precipitação", ajuda determinadas plantas a responder melhor a períodos de seca. A descoberta tem implicações diretas para a agricultura e o uso de biotecnologias que visam melhorar o desempenho das culturas sob estresse hídrico.

O experimento foi conduzido por uma equipe internacional liderada por pesquisadores da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade de Nottingham, no Reino Unido. O objetivo foi investigar como a história de precipitação de um solo influencia o comportamento de microrganismos e, por consequência, o crescimento das plantas durante uma seca.

Seis solos, um gradiente de chuvas

Foram coletadas amostras de solo em seis regiões do estado do Kansas, que representam um gradiente de precipitação -- de áreas úmidas a regiões mais áridas. As amostras incluíam tanto microrganismos quanto propriedades químicas e físicas do solo. Após o condicionamento das amostras durante cinco meses em laboratório, os pesquisadores observaram que, mesmo após milhares de gerações bacterianas, os microrganismos ainda apresentavam sinais da "memória" do ambiente seco.

Os cientistas identificaram que essa memória ecológica influenciava diretamente a resposta de plantas ao estresse hídrico. O destaque foi para Tripsacum dactyloides, uma gramínea nativa da região. Quando cultivado com microrganismos oriundos de solos secos, a planta cresceu mais e tolerou melhor a seca, em comparação com outra expostas a microrganismos oriundos de solos mais úmidos.

<i>Tripsacum dactyloides</i> - Foto: Rebekah D Wallace, University of Georgia
Tripsacum dactyloides - Foto: Rebekah D Wallace, University of Georgia

Resposta depende da origem

O efeito, no entanto, não se repetiu em cultivares de milho. Apesar de receberem os mesmos microrganismos adaptados à seca, os milhos não apresentaram melhora significativa no crescimento sob estresse hídrico.

A hipótese dos cientistas é que Tripsacum dactyloides coevoluiu com os microrganismos do Kansas por milhares de anos. Já o milho, introduzido na região há poucas gerações, não compartilha essa história evolutiva.

“Observamos que as plantas nativas beneficiam-se mais fortemente do legado microbiano, provavelmente por conta de uma longa convivência entre planta e solo ao longo do tempo”, explicou Maggie Wagner, coautora do estudo e professora da Universidade do Kansas.

O efeito do legado é molecular

A equipe realizou análises genéticas para entender como a memória microbiana afeta as plantas no nível molecular. Um dos principais achados foi a ativação do gene nicotianamine synthase em T. dactyloides.

Esse gene, ligado à captação de ferro no solo, também contribui para a tolerância à seca em algumas espécies. Curiosamente, o gene só foi ativado em plantas que cresceram com microrganismos adaptados a ambientes secos.

No total, 183 genes de T. dactyloides responderam ao tratamento de seca de forma distinta, dependendo da origem dos microrganismos no solo. Cerca de 55% desses genes só foram ativados ou inibidos em resposta à seca quando os microrganismos vinham de regiões úmidas. Já quando o solo possuía legado de seca, a planta demonstrava menor necessidade de alterar seu funcionamento interno para sobreviver.

Legado microbiano resiste

Mesmo após cinco meses de tratamento sob condições experimentais, com ou sem irrigação, a memória dos microrganismos manteve-se. Essa resiliência confirma que os efeitos do legado da precipitação sobre a microbiota do solo são robustos. Além disso, os microrganismos adaptados à seca mantiveram características funcionais como maior capacidade de ciclagem de nitrogênio e biossíntese de ácidos graxos.

Implicações para a agricultura

Os resultados do estudo indicam que o uso estratégico de microrganismos do solo pode melhorar a tolerância à seca em plantas, desde que exista compatibilidade ecológica entre planta e microbiota. Isso pode representar uma nova fronteira para o desenvolvimento de bioinsumos agrícolas personalizados, especialmente em áreas sujeitas à escassez de água.

“A biotecnologia agrícola já movimenta bilhões de dólares com microrganismos benéficos. Nosso estudo sugere caminhos mais precisos para explorar esse mercado, com foco em interações históricas entre plantas e solos”, afirmou Wagner.

A pesquisa sugere que, no futuro, agricultores poderão considerar a origem dos microrganismos do solo ao escolher cultivares ou planejar práticas de manejo, especialmente em regiões vulneráveis às mudanças climáticas.

Outras informações em doi.org/10.1038/s41564-025-02148-8

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