Conhecimento e manejo da cigarrinha-das-raízes Mahanarva fimbriolata

Por Karen Helena Rodrigues, especialista em manejo de pragas agrícolas

22.06.2025 | 19:16 (UTC -3)
<i>Mahanarva fimbriolata</i> - Foto: Gabriel Augusto de Andrade Rodrigues
Mahanarva fimbriolata - Foto: Gabriel Augusto de Andrade Rodrigues

A cana-de-açúcar é a cultura mais importante do Brasil, sendo responsável pelo maior desenvolvimento do agronegócio no país envolvendo etanol e energia, possuindo cerca de 8,6 milhões de hectares de área colhida, porém seu desenvolvimento e potencial é ameaçado por diversas pragas que causam grandes prejuízos comerciais.

A cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata) é umas das pragas que ameaçam esta cultura causando reduções na qualidade da matéria-prima, que podem chegar até 30%, podem causar contaminação nos processos industriais e acarretam em perdas na produtividade, que variam de 15% a 85%. Por isso é de extrema importância o conhecimento do inseto-praga, a atenção e cuidado com o monitoramento para que decisões assertivas sejam tomadas no combate e controle dele na cultura.

Conhecendo o inseto praga

A cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata) pertence a ordem dos hemípteras (assim como cigarras, percevejo e pulgões). Sendo um inseto do tipo sugador.

Seu ciclo biológico varia de 63 a 79 dias, sendo fortemente afetado por fatores climáticos que interferem diretamente na dinâmica populacional do inseto, desfavorecendo a sobrevivência dos mesmo e afetando o ciclo reprodutivo das fêmeas. Tendo o início de seu ciclo muito associado a “época das águas” onde o clima úmido favorece a eclosão dos ovos e proteção das ninfas com a “espuma”

A cigarrinha passa por três estágios biológicos durante seu desenvolvimento: ovo, ninfa e adultos.

As fêmeas depositam os ovos na base das touceiras ou entre os restos vegetais deixados no solo, com a proibição da queima de cana-de-açúcar favoreceu a infestação devido a sobreposição de palha no campo e aumento de daninhas indesejadas. O uso da tecnica de fogo no canavial controlava o cerscimento populacional da praga pois destruia todas as formas biologicas do inseto.

Cada fêmea oviposita em média 340 ovos durante seu ciclo de vida tendo o período de incubação cerca de 15 a 20 dias, porém com a diminuição de chuvas ocorre a diapausa dos ovos onde eles entram em um período de dormência garantindo sua sobrevivência para eclosão em condições favoráveis dando origem as ninfas de primeiro estágio (ecdises).

As ninfas são consideradas radiciolas pois permanecem todo seu período de desenvolvimento se alimentando no sistema radicular, elas se fixam as raízes das canas ou radicelas e permanecem em torno de 30 – 40 dias cobertas por uma espuma esbranquiçada semelhante a espuma de sabão cuja qual é produzida por elas como forma de proteção á exposição ao ambiente, predadores e clima, dificultando também o contato de produtos de controle no inseto. Neste período as ninfas passam por 5 mudanças de ecdises até amadurecerem a fase adulta.

A fêmea vive em média 22 dias e o macho por volta de 17 dias, apresentam entre 11 e 13 mm de comprimento, sendo as fêmeas maiores do que os machos. Os machos possuem coloração avermelhada com manchas na asa e possuem faixas pretas longitudinais em seu corpo., sendo a fêmea uma coloração mais amarronzada.

Na fase adulta os insetos apresentam pernas mais desenvolvidas e adaptadas para saltos o que facilita seu deslocamento, apresentam asas também, porém menos adaptadas sendo mais comum para dispersão em curtas distancias, assim são capazes de se deslocar das raízes para as partes áreas das plantas, onde passam a se alimentar e trazer prejuízos econômicos a cultura.

Danos econômico

Os danos econômicos desta praga a cultura podem ser diretos ou indiretos. Diretos quando ocorre murchamento do colmo, morte de perfilhos, encurtamento de entre-nós e inviabilidade das gemas laterais acarretando em perda na porcentagem de toneladas por hectares (T/H) . Indiretos quando afetam a qualidade do produto final, interferindo na pureza do caldo, cor do açúcar, contaminantes no processo, aumento de fibras e teor de sacarose (qualidade da matéria-prima).

O ataque deste inseto causa perdas significativas no canavial em si, porém sua maior perda econômica se encontra em teor de produtividade, pois com o acréscimo de fibra vegetal e colmos secos mortos, a indístria demanda um maior custo e dificuldade de moagem. O aumento de contaminates e compostos fenólicos interferem no consumo da levedura na fermentação impactando na fabricação do etanol, podendo afetar também nas características e pureza do açúcar final.

Os primeiros danos econômicos causados pela cigarrinha começa na fase de ninfa ao se alimentarem introduzem o aparelho bucal através da epiderme da cana onde atingem os vasos lenhosos, a saliva do inseto possui enzimas que auxiliam a digestão do mesmo, porém quando inserida na planta causa necrose dos tecidos radiculares o que dificulta ou impede o fluxo de água e nutrientes dos vasos condutores (floema e xilema) para a parte área da planta, causando-lhe a morte devido ao desequilíbrio de nutrientes e desidratação.

Este fato é perceptível pois causa o efeito característico de “chochamento” dos colmos e afinamento causando posteriormente rachaduras e rugas abrindo porta de entrada para mais patógenos, os colmos muitas vezes chegam a ficar oco por dentro.

Na fase adulta o inseto se alimenta das folhas e ocasionam a “queima da cana-de-açúcar” decorrente da toxina injetada ao se alimentarem, causando manchas amareladas que com o tempo ficam vermelhas reduzindo sensivelmente a capacidade fotossintética da planta até ficarem opacas e morrer, causando também estrias amareladas no limbo foliar.

Identificando a praga em campo

A identificação da cigarrinha no campo é simples. Visualmente, os sintomas mais comuns que podem se notar são: estrias amareladas no limbo foliar, bordos enrolados e o definhamento do colmo, porém ainda se faz necessário um monitoramento da cultura, pois estes sintomas podem ser facilmente confundidos com sintomas de outras pragas, doenças ou até mesmo deficiências nutricionais.

Para certificar a presença de infestação da cigarrinha se faz um monitoramento nas linhas das canas, em baixo de palhadas e na base das touceiras a fim de identificar a presença da espuma esbranquiçada produzida pelas ninfas.

Métodos de controle

O principal meio de controle é o conhecimento do inseto praga e o monitoramento cuidadoso para avaliar o estágio em que se encontra a infestação, acompanhando a evolução da praga.

O monitoramento do canavial deve ocorrer principalmente em períodos chuvosos onde inicia o desenvolvimento do inseto sendo necessária uma tomada de ação quando o “nível de controle” (NC) é atingido sendo identificadas 5 ninfas/metro e 0,5 a 0,75 adultos/cana.

Quando atinge 10/ninfas/MetroLinear é chamado de (NDE) onde a praga atingiu um potencial de dano de “nível econômico”.

Estes cálculos são baseados por área de monitoramento não pela área total de plantio da cultura.

Espécies de cana com alto índice de teor de açúcar possui maior probabilidade de infestação por cigarrinhas, devendo redobrar os cuidados de monitoramento em fase inicial.

Como em toda cultura e para qualquer praga o manejo integrado de pragas é sempre a melhor solução pois quando se integra vários tipos de controle você abrange o seu índice de eficácia no tratamento.

Para o controle efetivo da cigarrinha são conhecidos métodos físicos, químicos e biológicos afim de encontra o método mais eficaz para controle.

Controle físico

O método físico cultural é extremamente importante ao combate de cigarrinhas devido a exposição da praga a ambientes não favoráveis.

Uma das técnicas mais usadas é a retirada da palhada residual deixando o solo exposto, aumentando a temperatura do local reduzindo a umidade assim dificultando a sobrevivência e eclosão dos ovos e ninfas. Esta técnica possui em torno de 70% de eficácia em fase inicial, não sendo recomendada como única forma de controle para áreas severamente atacadas, porém uma desvantagem ao uso desta técnica é diminuir a umidade do solo pela exposição solar sem uso de cobertura, o que pode influenciar e prejudicar o desenvolvimento da brotação de soqueiras em fase inicial. Sendo um ponto importante a ser avaliado na escolha desta técnica entre custo e beneficio.

Outras formas bastante usadas também é o investimento no plantio de espécies geneticamente modificadas ao gene desta praga, não realizar plantio direto e manter o solo exposto no plantio, investir na nutrição da cultura com processos de calagem, adubação e fosfatagem, favorecendo o crescimento radicular tornando o menos frágil e melhorando sua resistência a falta de água e controle de pragas.

Controle químico

O método químico possui grande eficácia no controle contra cigarrinhas principalmente os do tipo sistêmicos, porém em alguns casos há necessidade de reaplicação sendo necessária repassar duas ou três vezes devido a mutação dos insetos e resistência a alguns inseticidas.

O controle químico deve ser aplicado no inicio de infestação da praga pois a densidade populacional do inseto praga é menor e sua distribuição é localizada, aumentando assim a eficiência do produto no controle, minimizando a dificuldade de aplicação quando realizada em cana de fase inicial. Quando a infestação atinge o nível de dano o recomendado é iniciar a aplicação o quanto antes, pois melhor será a resposta do produto a eficácia do tratamento.

Em alguns casos o controle de ninfa e adultos precisam de produtos diferentes para serem controlados. Para controlar ninfas deve-se optar pelos produtos de calda granulados e na fase adulta recomenda -se a aplicar inseticidas mais seletivos para que estes não matem também inimigos naturais presentes na área

O controle químico assim como todo método possui algumas desvantagens como: alto custo de aplicação, condições atmosféricas adequadas necessária para aplicação, ressurgência de fases biologicas do inseto por não atingir de uma só vez todas as fases, desequilíbrio no ecossistema com morte de inimigos naturais, ressurgência da praga resistente ao composto utilizado.

São inúmeros hoje no mercado os produtos registrados para o controle da cigarrinha e cada dia vão surgindo novos produtos, com isso a tendência é que quanto maior o numero de produtos com diferentes compostos e ativos que surgem no mercado maior será a eficácia de ação para controle da praga.

Devido a diversidade de produtos no mercado se torna capaz fazer rotações de produtos e compostos maiores, podendo assim produtos antigos voltarem a ter grandes resultados em eficácia devido a baixa resistência dos insetos a eles.

Estão surgindo no mercado produtos que prometem efeitos a base de choque com baixa solubilidade e que agem imediatamente no inseto por ingestão e contato com efeito durador, controlando todas as fases vivas do inseto sendo ainda seletivos.

Controle biológico

O controle biológico vem cada vez crescendo mais no mercado como forma de proteção ao meio ambiente sem uso excessivo de pesticidas, prejudicando o ecossistema e sem períodos de carência.

Uma das técnicas para controle biológico da cigarrinha é a introdução de inimigos naturais em campo, onde possuem diversas espécies que realizam este papel, em especial os parasitoides de ovos Anagrus urichi e Acmopolynema hervali, a mosca predadora de ninfas Salpingogaster nigra, os fungos Metarhizium anisopliae (sendo efetivo para todas as formas viva da praga) e Batkoa apiculata usado normalmente para controle de adultos.

O parasitoide Anagrus urichi é um parasita de ovos, a técnica já é bem usada e com eficácia significativa para o controle da cigarrinha das pastagens, hoje é bastante estudado para cigarrinha da cana, onde mostra se resultados bem favoráveis. Outro parasita de ovos de cigarrinha é o Acmopolynema hervali é um microhimenóptero possui eficácia de controle registrada para cigarrinha da cana.

A mosca S. Nigra atua como predador de ninfas, as larvas desta mosca penetram na espuma esbranquiçada e se alimentam das ninfas de cigarrinha na base das touceiras. Sua produção é bem vantajosa, pois ela possui alto índice de reprodução e fecundação, com ciclos curtos podendo ter de duas a três gerações do predador por ciclo do inseto praga. Sua taxa de predação é bem alta podendo se alimentar das ninfas que crescem junto as raízes radiciolas ou que estão mais alojadas no solo, a qual produtos não conseguiriam alcançar.

O fungo Batkoa apiculata geralmente atua sobre os insetos de fase adulta, sua infestação no inseto praga ocorre através das articulações das pernas, fendas em suas carapaças ou lacunas em seus tecidos, onde os esporos penetram e começa a se multiplicar. Logo que ocorre a colonização do fungo e os esporos começam a se multiplicar o inseto entra em paralisia perdendo sua capacidade motora, em se locomover ou se alimentar. Os esporos cobrem todo corpo do inseto ocasionalmente sua morte, conhecida como “morte em pó”.

Estudos relatam que este fungo é capaz de controlar até infestações em nível enzoóticos, que são infestações que mesmo em baixa quantidade estão sempre presentes naquela área, sendo elas reincidentes.

Enfim o método mais conhecido e utilizado atualmente é com a aplicação do fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae pois o uso da técnica é econômico e sustentável tendo grande potencial de eficácia ao controle, também conhecido como fungo-verde, o fungo quando em contato com o inseto praga ocorre a germinação dos conídios a qual penetram no tegumento do inseto por ação mecânica-enzimatica em um período de dois a três dias. O período de colonização ocorre de dois dias a quatro dias, neste estagio o inseto não causa mais danos a cultura ficando totalmente paralisado, a esporulação ocorre em dois dias a três dias, dependendo das condições do ambiente, assim o fungo começa a atingir mais insetos. O ciclo total da doença é de oito dias a dez dias para a morte do inseto e infestação do fungo.

O inseto praga quando atingido começa apresentar um crescimento micelial branco pelo corpo seguido de esporulações na cor verde, assim denominado de fungo verde.

Quando este método com o fungo Metarhizium anisopliae é aplicado da forma correta, considerando as condições ambientais ideais, a qualidade do fungo e a dosagem, o método se torna muito eficiente, reduzindo em ate 75% a infestação em campo. Geralmente se aplica no inicio de infestação quando se encontra apenas uma forma viva do inseto por metro linear, sendo reaplicado caso haja necessidade. A aplicação do fungo pode ser realizada por mecanismos terrestres com equipamentos tratorizados ou aéreos.

A utilização do manejo integrado de pragas para o controle eficaz do inseto em sua cultura é sempre a melhor opção, adotando medidas de controle de acordo com seu monitoramento e realidade no momento, sendo extremamente assertivo nas tomadas de decisão.

Por Karen Helena Rodrigues, especialista em manejo de pragas agrícolas

Artigo publicado na edição 298 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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