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Soja tem "memória". Embora não possua sistema nervoso, ela registra eventos de estresse -- como seca e herbivoria -- e transmite respostas adaptativas aos seus descendentes. Sob certa abordagem analógica, estaria Jean-Baptiste Lamarck correto, afinal?
Pesquisas recentes conduzidas na Universidade de Arkansas comprovaram a existência de plasticidade transgeracional na soja. Essa memória biológica não depende de mutações genéticas, mas de mecanismos epigenéticos – mudanças químicas reversíveis que alteram a forma como os genes são lidos, sem alterar sua sequência.
Os resultados dos estudos revelam que o estresse não afeta apenas a planta que o sofre. Ele também modifica aspectos fisiológicos e defensivos das sementes e das plantas que emergem delas.
No artigo "Drought and Herbivory Have Selective Transgenerational Effects on Soybean Eco-Physiology, Defence and Fitness", os pesquisadores apontam que sementes oriundas de plantas expostas à seca e ao ataque de lagartas germinaram com mais dificuldades e originaram plântulas menos vigorosas.
Por outro lado, essas mesmas plântulas desenvolveram mais tricomas – estruturas semelhantes a pelos – que funcionam como barreiras contra insetos. Os descendentes dessas plantas também apresentaram maiores níveis de nitrogênio e proteína, elementos fundamentais para o desenvolvimento e o valor nutricional da soja.
De acordo com o estudo, "os efeitos transgeracionais foram seletivos, beneficiando alguns atributos ao custo de outros". Ou seja, houve uma troca: maior defesa e qualidade nutricional, mas menor crescimento e rendimento.
O pesquisador Rupesh Kariyat, entomologista e coordenador do estudo, explica que a combinação de seca com herbivoria produziu respostas mais marcantes do que a ocorrência isolada de cada estressor. "Esses fatores não apenas afetam a planta parental, mas deixam impressões biológicas duradouras nos descendentes", afirma.
A observação parece confirmar-se nos dados. No experimento, plantas submetidas à dupla pressão tiveram descendentes com mais flores, mais vagens, maior teor de proteína e mais tricomas. No entanto, o rendimento final caiu. Vagens vazias e tamanho reduzido da planta foram frequentes.
Em outro teste, a equipe montou um experimento curioso: conectou, por pequenas pontes, plantas que haviam sofrido seca a outras que cresceram com irrigação normal. Lagartas Chrysodeixis includens (falsa-medideira) foram colocadas para escolher entre elas.
As lagartas mostraram comportamentos sugestivos. Pausavam, examinavam e preferiam retornar às plantas saudáveis. Aquelas que sofreram seca pareciam menos atrativas. O resultado sugere a hipótese do vigor da planta: insetos optam por hospedeiras mais vigorosas e tenras.
Em "Transgenerational Imprints of Sequential Herbivory on Soybean Physiology and Fitness Traits", outro artigo do grupo, os cientistas investigaram o efeito da ordem dos ataques. Utilizaram duas pragas: a falsa-medideira e a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda).
Quando a falsa-medideira atacou primeiro, seguida pela lagarta-do-cartucho, as plantas-filhas apresentaram 40% mais nitrogênio, mais flores, vagens e proteína. Na ordem inversa, os resultados foram piores. O estudo conclui que "a identidade e a ordem dos herbívoros moldam criticamente as respostas transgeracionais da soja".
A presença de um herbívoro no momento inicial do ciclo pode, portanto, induzir uma forma de "vacina biológica", que prepara a planta e sua linhagem contra futuras ameaças.
Essa capacidade de lembrar o estresse leva a uma proposta técnica: o priming ("preparação"). Consiste em aplicar estresses leves e controlados nas plantas jovens para estimular defesas naturais. O conceito é comparado à vacinação: a planta aprende a reagir.
"Podemos manipular o grau de estresse para fortalecer defesas sem prejudicar o rendimento final", afirma Kariyat. Mas alerta: "ainda precisamos definir o ponto de equilíbrio entre estresse benéfico e nocivo".
Essa abordagem pode se mostrar especialmente útil diante de mudanças climáticas que intensificam secas e ampliam o ciclo de vida de insetos.
Os estudos também indicam que plantas descendentes de mães estressadas mantêm suas defesas por pouco tempo. Os tricomas, por exemplo, diminuem com a maturidade.
Além disso, mesmo com mais proteínas, as plantas-filhas produzem menos. O artigo aponta que "respostas defensivas elevadas comprometem a produtividade e a aptidão geral".
No balanço final, a memória de estresse mostra-se uma faca de dois gumes: melhora a defesa e o valor nutricional, mas impõe penalidades no rendimento da cultura.
A maioria dos produtores norte-americanos adquire sementes comerciais a cada safra.
Mas, em outros países, o uso de sementes salvas é prática comum.
Nesses contextos, os efeitos transgeracionais tornam-se ainda mais relevantes. Plantas-mãe expostas a estresse podem transmitir traços que afetam toda a safra seguinte. A seleção de sementes passa a exigir conhecimento do histórico ambiental do lote anterior.
As quatro publicações científicas produzidas pelo grupo de Kariyat confirmam um fenômeno com alto potencial agronômico. A soja carrega memórias de estresse e as transfere para suas sementes, moldando como elas se desenvolverão.
Essa memória oferece vantagens fisiológicas e defensivas, mas impõe custos. Em tempos de agricultura intensiva e mudanças climáticas, entender como e quando explorar esse mecanismo pode ser decisivo para garantir produtividade e sustentabilidade.
Referências:
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