Resistência a fungicidas gera perdas econômicas em escala regional

Modelo matemático revela custo oculto da resistência a fungicidas em paisagens cultivadas

16.07.2025 | 15:23 (UTC -3)
Revista Cultivar
Foto: Wenderson Araujo
Foto: Wenderson Araujo

Epidemias de doenças em plantas provocam prejuízos significativos à agricultura global. Produtores recorrem ao uso intensivo de fungicidas para conter esses surtos. No entanto, o controle químico gera efeitos colaterais pouco visíveis, entre eles a seleção e disseminação de linhagens de patógenos resistentes. Pesquisa recente quantificou o custo econômico da resistência a fungicidas considerando paisagens agrícolas inteiras -- e não apenas campos isolados.

A equipe de cientistas combinou um modelo matemático epidemiológico com uma análise econômica de escala regional. O trabalho mostra que, à medida que os fungicidas perdem eficácia, os produtores enfrentam redução no retorno econômico — mesmo mantendo ou aumentando o volume de aplicações.

Ao contrário do que se esperava, os retornos econômicos da aplicação de fungicidas em várias propriedades agrícolas não seguem uma curva de retorno decrescente. O estudo identificou padrões de retorno acelerado ou desacelerado, com implicações para políticas públicas e estratégias de manejo.

Um novo paradigma para estimar prejuízos invisíveis

A análise propõe um conceito chamado custo econômico da evolução da resistência. Trata-se da diferença entre o retorno econômico ideal em uma paisagem sem resistência e aquele obtido quando a resistência já está disseminada.

A estimativa desse custo depende de quatro variáveis principais:

  • preço do fungicida
  • grau de resistência do patógeno
  • número básico de reprodução da doença (R0)
  • perda relativa de rendimento em campos doentes.

Os pesquisadores observaram um comportamento contraintuitivo: o custo da resistência tende a diminuir quando o preço do fungicida aumenta. Isso ocorre porque fungicidas caros desestimulam o tratamento extensivo e reduzem a pressão seletiva sobre os patógenos.

Além disso, o custo da resistência não aumenta continuamente com a capacidade de propagação da doença. Em vez disso, o impacto econômico da resistência é maior para patógenos com invasividade intermediária.

O dilema das aplicações em larga escala

Um dos principais resultados do estudo aponta que, em regiões agrícolas compostas por muitos campos cultivados com a mesma cultura, decisões ótimas em nível de propriedade podem se tornar prejudiciais em escala regional.

O uso extensivo de fungicidas em campos isolados favorece a seleção de variantes resistentes, que se espalham para outras áreas. Assim, mesmo produtores que usam pouco ou nenhum fungicida sofrem as consequências da resistência regionalizada.

Este fenômeno enquadra-se na definição de externalidade negativa: o uso de fungicidas em determinadas áreas impõe custos indiretos a toda a comunidade agrícola. Esses custos incluem perda de eficácia do produto, aumento nas infestações, necessidade de novos produtos e práticas mais caras.

Três regimes de resposta econômica

Com base nos modelos utilizados, o estudo identificou três regimes principais de resposta ao uso de fungicidas:

  • Fungicidas baratos e eficazes: aplicar em todos os campos pode ser economicamente vantajoso. A resistência, se surgir, impacta fortemente o retorno econômico.
  • Fungicidas caros: mesmo sem resistência, a aplicação extensiva pode não compensar os custos. Nesse cenário, a resistência tem pouco efeito adicional.
  • Fungicidas de preço intermediário: há um ponto crítico de cobertura ideal. Acima dele, o custo da resistência cresce rapidamente; abaixo, o retorno diminui pela falta de controle.

O modelo indica que, na ausência de resistência, o retorno líquido da aplicação de fungicidas aumenta com a área tratada. Porém, a introdução da resistência inverte essa relação em muitos casos.

Com base nisso, os autores sugerem que políticas agrícolas devem considerar subsídios, impostos ou incentivos à rotação de produtos para desacelerar a seleção de resistência.

Um modelo generalizável

A estrutura matemática desenvolvida considera campos de cultivo homogêneos e dispersão regional por meio de vetores naturais ou movimentação humana. Ainda que simplificado, o modelo serve como base para análises mais específicas. Ele pode ser ajustado para considerar variabilidade de cultivares, padrões climáticos e sistemas de manejo diferenciados.

Como exemplo, os autores citam doenças foliares de cereais e leguminosas amplamente disseminadas por esporos, como a mancha-alvo da soja em Mato Grosso ou a ferrugem do trigo no cinturão dos grãos dos Estados Unidos.

doi.org/10.1371/journal.pstr.0000178
doi.org/10.1371/journal.pstr.0000178

Percepção versus realidade: o caso australiano

Para contextualizar os dados teóricos, os autores citam uma pesquisa com 137 produtores da região de Wheatbelt, na Austrália. Na safra de 2019/2020, esses agricultores gastaram em média AU$ 42 por hectare com fungicidas para cevada. Em contrapartida, estavam dispostos a pagar AU$ 18 por hectare para atrasar ou mitigar a resistência. Essa disposição sugere uma percepção parcial do custo real da resistência, que pode ser muito maior dependendo das variáveis envolvidas.

Em uma escala maior, o impacto econômico da resistência a pesticidas nos Estados Unidos foi estimado em US$ 2,5 bilhões por ano, considerando ajustes inflacionários. A resistência a herbicidas, como a identificada em Alopecurus myosuroides no Reino Unido, pode duplicar os custos de manejo de plantas daninhas.

Implicações para políticas públicas

Ao fornecer um método robusto para estimar o custo da resistência, o estudo viabiliza a criação de políticas mais realistas e baseadas em evidências. Entre as propostas possíveis estão:

  • Taxação variável de fungicidas, proporcional ao risco de resistência;
  • Subsídios para práticas sustentáveis, como rotação de culturas ou uso integrado de controle biológico;
  • Monitoramento genético de patógenos, para detectar precocemente variantes resistentes.

A sustentabilidade do controle químico depende da cooperação entre produtores, técnicos e formuladores de políticas. A pesquisa mostra que ignorar o custo da resistência compromete a viabilidade econômica de todo o sistema produtivo a médio prazo.

Custo de resistência não é constante

Outra descoberta relevante do estudo diz respeito ao comportamento do custo de resistência ao longo do tempo e das variações de preço. Quando o fungicida é barato, o custo da resistência tende a se manter estável, mesmo com aumento do preço.

Porém, há um ponto de inflexão. Com fungicidas de preço médio, a resistência causa queda abrupta no retorno. Quando o produto se torna muito caro, a resistência deixa de impactar o resultado econômico, pois os produtores simplesmente abandonam a aplicação.

Esse padrão sugere que medidas preventivas são mais eficazes e viáveis quando o uso de fungicidas ainda é economicamente vantajoso. Uma vez que o produto se torne ineficaz, as alternativas de controle se tornam mais caras e menos previsíveis.

Outras informações em doi.org/10.1371/journal.pstr.0000178

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

acessar grupo whatsapp
Agritechnica 2025