Formigas afastam polinizadores, mas plantas mantêm fecundidade

Localização dos nectários e tipo de visitante floral modulam o impacto

06.08.2025 | 11:25 (UTC -3)
Revista Cultivar
Foto: Amanda Vieira da Silva
Foto: Amanda Vieira da Silva

Ao longo de milhões de anos, plantas e animais moldaram suas estratégias de sobrevivência por meio de parcerias cuidadosamente ajustadas. Dentre essas interações, o mutualismo entre plantas produtoras de néctar extrafloral (EFN) e formigas protetoras destaca-se como um equilíbrio sensível. A presença de formigas pode afastar herbívoros, mas também repelir polinizadores. A forma como esses custos são distribuídos ao longo da diversidade de espécies vegetais tem sido objeto de debate científico.

Uma equipe internacional liderada por Amanda Vieira da Silva, da Universidade Federal do ABC, sintetizou os resultados de 27 estudos independentes por meio de uma meta-análise. Os cientistas quantificaram os efeitos ecológicos da presença de formigas sobre a polinização em plantas com EFNs. A investigação examinou não apenas a frequência de visitas florais, mas também o sucesso reprodutivo das plantas, como a produção de sementes e frutos.

O principal resultado indica que formigas impõem um custo baixo, porém altamente variável à polinização. Esse custo não se traduz, de forma geral, em prejuízo reprodutivo às plantas. Em alguns casos, sua presença até melhora o desempenho reprodutivo, sobretudo quando os EFNs localizam-se em estruturas vegetativas — como folhas e ramos — em vez de estruturas reprodutivas, como inflorescências.

Pressão silenciosa sobre visitantes florais

Formigas reduzem significativamente a frequência de visitas de polinizadores, especialmente de abelhas. Essa queda, no entanto, não se reflete em menor produção de frutos ou sementes. A hipótese central considera que visitas menos frequentes, mas potencialmente mais eficazes, podem compensar o afastamento causado pelas formigas.

Nos experimentos analisados, o impacto das formigas sobre visitas florais variou de forma pronunciada conforme o tipo de visitante. Abelhas mostraram sensibilidade mais elevada, evitando flores visitadas por formigas ou marcadas por seus feromônios. Já borboletas, mesmo quando expostas aos mesmos sinais químicos, não alteraram seus padrões de forrageamento.

Localização dos EFNs altera a dinâmica

Outro fator determinante foi a posição dos nectários extraflorais na planta. Plantas com EFNs localizados em estruturas vegetativas experimentaram efeitos positivos na reprodução mesmo com a presença de formigas. Já aquelas com EFNs em inflorescências sofreram redução de visitas, sem que isso se convertesse em prejuízo reprodutivo significativo. No entanto, nesses casos, os ganhos advindos da proteção contra herbívoros podem ter sido compensados por menor atividade polinizadora.

Os autores propõem que essa arquitetura funcional — EFNs vegetativos versus reprodutivos — poderia refletir um traço selecionado ao longo da evolução. Plantas que concentram formigas longe de suas flores mantêm a defesa contra herbivoria sem comprometer o acesso de polinizadores. Em contrapartida, espécies que mantêm EFNs em estruturas reprodutivas podem beneficiar-se em contextos de alta pressão herbívora sobre flores ou frutos, mesmo com maior risco de conflito com polinizadores.

Complexidade no comportamento dos visitantes

A análise revelou que abelhas evitam flores com formigas, comportamento possivelmente moldado por custos energéticos elevados ou risco percebido de predação. Essa evitação pode resultar em um aumento da aloencruzamento — quando o pólen é transferido entre indivíduos diferentes da mesma espécie — o que pode melhorar a qualidade genética da progênie. Em contraste, visitas consecutivas a flores da mesma planta (geitonogamia) podem induzir depressão por endogamia.

Comportamentos observados em Turnera subulata indicaram que a presença de formigas reduziu o tempo de permanência das abelhas nas flores. Apesar de diminuir a carga de pólen transferida por visita, esse efeito provocou aumento na frequência de visitas entre diferentes plantas, ampliando a diversidade de polinização.

Meta-análise robusta

A base de dados foi construída a partir de 27 estudos que atenderam a critérios rigorosos de inclusão. As espécies estudadas abrangeram famílias como Passifloraceae, Malpighiaceae e Fabaceae. O conjunto final somou 116 tamanhos de efeito, calculados por meio do índice de Hedges’ g, que quantifica a diferença padronizada entre grupos com e sem a presença de formigas.

Ao aplicar modelos meta-analíticos com múltiplos níveis, os autores verificaram que a variação nos resultados está majoritariamente associada ao desenho experimental dos estudos. Não se observou efeito relevante da filogenia das plantas estudadas, sugerindo que o impacto das formigas não se distribui uniformemente entre linhagens botânicas.

A análise estatística indicou uma tendência geral de neutralidade no efeito das formigas sobre a reprodução, mas com grande dispersão dos dados. Em média, o impacto direto sobre a reprodução foi positivo em plantas com EFNs vegetativos e nulo nas demais. A análise de sensibilidade — remoção sequencial de cada dado — reforçou a robustez dos achados.

Implicações evolutivas

A coexistência entre plantas com EFNs e formigas protetoras levanta hipóteses sobre caminhos evolutivos moldados por interações conflitantes. Plantas autocompatíveis — capazes de autopolinização — podem ter reduzido a dependência de visitas florais, amortecendo os efeitos negativos das formigas. No conjunto de dados analisados, 72% das espécies eram potencialmente autocompatíveis.

Além disso, fatores como agressividade das formigas, composição química do néctar extrafloral e abundância de recursos na vizinhança podem alterar os resultados. Formigas dominantes, mais eficazes contra herbívoros, tendem a repelir polinizadores com mais intensidade. Plantas que secretam néctar mais concentrado ou em maiores volumes atraem mais formigas, o que pode intensificar conflitos com polinizadores.

Custos contextuais, benefícios modulados

Embora a presença de formigas afete negativamente a dinâmica de visitas florais, especialmente por abelhas, esse impacto raramente compromete a reprodução das plantas. Pelo contrário, em algumas configurações morfofuncionais — como EFNs localizados em estruturas vegetativas — a presença de formigas pode se traduzir em ganhos líquidos na performance reprodutiva.

Os autores sugerem que essa interação representa um caso em que a seleção natural pode ter favorecido configurações que minimizam conflitos entre mutualismos concorrentes. Estudos futuros devem investigar se características como o sistema reprodutivo ou morfologia floral coevoluíram com a presença de formigas protetoras, ajustando-se para evitar custos desnecessários à polinização.

Outras informações em doi.org/10.1111/1365-2745.70087

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