Clima mais instável torna cultivos de milho e soja mais voláteis

Estudo global aponta que calor e seca combinados ampliam a variabilidade anual das safras

03.09.2025 | 14:01 (UTC -3)

A variabilidade anual das safras de milho, soja e sorgo aumentará globalmente com o avanço das mudanças climáticas. Estudo de pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica quantifica, pela primeira vez em escala global, os impactos combinados do aumento da temperatura e da redução da umidade do solo na volatilidade dos rendimentos agrícolas.

Pesquisadores liderados por Jonathan Proctor utilizaram simulações climáticas do CMIP6 em conjunto com modelos empíricos de produtividade agrícola. Os resultados indicam que a variabilidade induzida pelo clima nas colheitas aumentará entre 7,1% e 19,4% por grau Celsius de aquecimento, conforme a cultura analisada. A soja apresentará a maior sensibilidade. O milho e o sorgo também enfrentarão variações expressivas.

Essa elevação na volatilidade é atribuída principalmente à intensificação de três mecanismos físicos: o aumento da temperatura média, a maior variabilidade térmica intra e interanual, e a amplificação da correlação negativa entre temperatura e umidade do solo durante o verão.

Interação entre calor e seca

A relação entre temperatura e umidade do solo se intensificará em cenários futuros. Solos mais secos promovem maior aquecimento da superfície, e esse aquecimento, por sua vez, intensifica a evaporação e a perda de umidade.

O ciclo se retroalimenta. Essa dinâmica eleva o risco de que eventos de calor extremo coincidam com secas intensas. A sincronia entre estresse térmico e hídrico representa uma ameaça maior do que cada fator isoladamente.

O estudo mostra que o aumento da covariância entre esses dois estresses explica parte considerável da nova variância projetada nas safras. Para a soja, essa covariância responderá por 6,2% da elevação da variabilidade por grau de aquecimento. Para o sorgo, 6,4%. No milho, o impacto é mais modesto, mas ainda relevante.

doi.org/10.1126/sciadv.ady3575
doi.org/10.1126/sciadv.ady3575

Cultivos sensíveis

A sensibilidade fisiológica das plantas às variações térmicas explica a maior parte da nova instabilidade nas safras. Mesmo variações relativamente pequenas, quando ocorrem em temperaturas elevadas, afetam processos vitais como fotossíntese, preenchimento de grãos e desenvolvimento reprodutivo.

Modelagens indicam que 73% do aumento na variabilidade da produção de milho decorrerá do deslocamento da distribuição de temperaturas para zonas mais sensíveis das curvas de resposta das plantas. Para a soja, esse percentual chega a 71%. No sorgo, 53%.

Além disso, ondas de calor mais intensas e frequentes ampliam os danos. A variabilidade térmica diária e entre estações cresce significativamente com o aquecimento global. Isso agrava a imprevisibilidade das colheitas e a frequência de choques negativos.

Umidade do solo

As alterações na umidade do solo, por si só, apresentam influência mais limitada sobre a variabilidade das safras. As mudanças projetadas na média e na variância da umidade do solo foram pequenas.

No entanto, seu papel se torna estratégico quando combinadas à temperatura. A análise mostra que o acoplamento entre calor e seca se fortalece, não apenas sazonalmente, mas também em escala diária.

Esse reforço na covariância diária entre temperatura e umidade do solo alcança −4,7% por grau Celsius no milho, −5,7% na soja e −3,1% no sorgo. A intensificação dessa sincronia reduz a resiliência das lavouras às variações climáticas, comprometendo a estabilidade da oferta de alimentos.

Perdas médias de produtividade

A variação na produtividade projetada supera, proporcionalmente, as perdas médias esperadas nos rendimentos. Para cada grau Celsius de aquecimento, a redução média de produtividade será de −4,8% para o milho, −7,7% para a soja e −2,3% para o sorgo. Já a variância interanual crescerá 7,1%, 19,4% e 9,8%, respectivamente.

Essa assimetria indica que os riscos de eventos extremos — como quebras totais ou colheitas excepcionalmente baixas — se tornarão mais comuns e mais intensos. Mesmo que em alguns anos o rendimento seja normal, a frequência de anos catastróficos aumentará.

Sistemas agrícolas menos protegidos

A maior parte dos estudos anteriores focava nas médias de produtividade. No entanto, em regiões com baixa capacidade de estocagem ou sem acesso fácil ao comércio internacional, a variabilidade pode causar impactos mais severos do que a redução média.

A volatilidade compromete a previsibilidade, encarece o seguro agrícola e eleva o risco de perdas catastróficas. Em países onde os mecanismos de proteção ao produtor são escassos, as consequências sociais e econômicas serão mais pronunciadas.

A elevação da variabilidade deve atingir todas as regiões agrícolas do globo. Modelos mostram que a tendência é consistente em quase todos os cenários simulados, com poucas exceções localizadas.

Modelo físico ajuda a explicar os mecanismos

Para identificar as causas subjacentes às projeções, os autores utilizaram um modelo físico simples de superfície terrestre, baseado em balanço de energia e umidade. O modelo mostrou que reduções na umidade do solo provocam aumentos desproporcionais na temperatura da superfície.

Esse comportamento não linear amplia a variabilidade térmica em regiões agrícolas. Em especial, as áreas onde a evaporação depende fortemente da umidade do solo tornam-se mais vulneráveis. Isso reforça a coocorrência de calor e seca.

Outras informações em doi.org/10.1126/sciadv.ady3575

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